Experimentando a Santidade da Vida (Imaginando a Sustentabilidade - 4) - CIDSE

Experimentando a Santidade da Vida (Imaginando a Sustentabilidade - 4)

Cordaid e Both ENDS, membro holandês da CIDSE, coletaram as visões e percepções de sete visionários do sul, cada um com uma abordagem única para transformar seu sonho em iniciativas locais concretas. Apresentamos suas visões de sustentabilidade baseadas em valores ecológicos e direitos humanos em preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável 'Rio + 20' (20-22 de junho de 2012). Hoje é sócia do CIDSE, Moema de Miranda, diretora do IBASE.

Superando a crise com cuidado com a natureza e o meio ambiente

Um pedaço de terra que é grande o suficiente para viver para todas as famílias e camponeses sem terra, o que levaria ao fim da concentração de terras nas mãos de uma pequena minoria. Esse é o sonho de Moema Miranda, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a instituto de pesquisa do Rio de Janeiro. A redistribuição da terra leva ao aumento da produção de alimentos para o mercado interno. Isso tornará a vida no campo mais atraente, o que levará a que mais pessoas decidam ficar lá. "Se resolvermos o problema da propriedade distorcida da terra, o país inteiro se beneficiará."

“Na verdade, meu sonho é mais como um programa”, pede desculpas Miranda. Quero reforma agrária. Essa é a solução para várias questões-chave no Brasil: a concentração de terras nas mãos de uma pequena minoria, a necessidade de reforçar a produção de alimentos para o mercado interno e a frágil situação de soberania alimentar. ”Miranda diz que o último se refere à direito dos agricultores de trabalhar a terra de maneira sustentável e que os próprios agricultores devem decidir como desejam fazer isso. “A reforma agrária deve respeitar as diferenças regionais e culturais. Os povos indígenas que vivem perto do rio Amazonas cultivam suas terras de maneira diferente daquela que vive em uma das centenas de quilombos no Brasil. Eles têm uma cultura diferente e enfrentam problemas únicos. ” quilombos eram originalmente lugares onde escravos fugidos se estabeleceram secretamente. Eles ainda vivem lá hoje em pequenas comunidades de agricultores cooperativos. “Eles estão vinculados por seu lugar marginal na sociedade. Eles levam uma vida difícil. ”

O que essas comunidades desfavorecidas de pequenos agricultores e povos indígenas poderiam ganhar com a reforma agrária? “Para começar, eles receberiam assistência técnica e financeira do governo. Hoje, essa assistência vai quase exclusivamente para o agronegócio em grande escala. Isso significa que técnicos e agrônomos do governo devem ajudar esses pequenos agricultores a ajudar a satisfazer seus desejos. Os pequenos agricultores não querem ou não podem, por exemplo, usar sementes geneticamente manipuladas, porque isso os tornaria totalmente dependentes de um punhado de grandes empresas. Eles não têm dinheiro para aplicar constantemente pesticidas. E como têm pouco dinheiro, são menos dignos de crédito para os bancos. Eles não têm muito uso para grandes máquinas agrícolas. ”Miranda acredita que ajudar esses pequenos proprietários exigiria que o Brasil modificasse suas políticas agrícolas atuais. Atualmente, os formuladores de políticas se concentram principalmente na exportação de produtos a granel, como soja, café e frutas cítricas.

Como resultado de medidas de reforma agrária, vemos o surgimento de comunidades rurais estáveis ​​e pacíficas que produzem alimentos para suas próprias regiões. Moema Miranda se refere a isso no contexto do filósofo-teólogo, o conceito de Ivan Illich de convívio. Em termos simples, isso significa "viver juntos". Mas Illich acrescenta significado político a esse termo. Para ele, isso significava autodeterminação, o que é contrário aos atuais métodos de produção industrial. Illich acreditava que a maneira pela qual as economias ocidentais moldam suas economias está em conflito direto com esse direito à autodeterminação, roubando às comunidades camponesas suas habilidades e conhecimentos vitais. Assim, os agricultores se tornam dependentes e ficam cada vez mais pobres.

Conexão espiritual

Miranda: “Para mim, convívio significa que há uma interação autônoma e criativa entre as pessoas e uma interação responsável com o ambiente. É também uma crítica à crença no progresso, à idéia de que podemos resolver todos os problemas através da tecnologia e do crescimento sem limites. ”Miranda, que se descreve como uma cristã devota, discute as idéias de Francisco de Assis:“ Ele fala sobre o sensação de ser um com o meio ambiente, com o universo, em vez de ser superior às outras pessoas. Imagine pessoas que não vivem mais com medo constante e na incerteza de que podem perder suas terras, pessoas que não temem mais que a construção de uma grande barragem destrua suas terras agrícolas e todo o seu sustento, e imaginando se serão capazes de alimentar seus filhos e envie-os para a escola. Nesse cenário, as pessoas podem começar a ganhar uma conexão espiritual com a santidade da vida. Se as tensões na sociedade brasileira diminuíssem, todos viveríamos vidas mais felizes. Não no sentido de mais, mais, mais, mas no sentido de uma vida boa. ”

As comunidades agrícolas que funcionam bem podem produzir alimentos para os mercados locais. “Assim, as linhas de produção e transporte diminuem. Hoje observamos a estranha situação de o Brasil, por exemplo, ter concentrado sua produção de laticínios principalmente no sul. O leite para o resto do país deve ser transportado milhares de quilômetros. Se você produz leite e outros produtos agrícolas em nível regional, pode alimentar as metrópoles do Rio e São Paulo com produtos cultivados na área imediata. Isso certamente ajudaria a baixar os preços dos alimentos como resultado dos custos de transporte muito mais baixos, enquanto os agricultores acabariam ganhando mais. Se essas regiões se desenvolvessem, morar lá se tornaria uma opção mais atraente; as pessoas não se sentiriam compelidas a se mudar para as cidades e isso reduziria parte do ônus colocado nesses centros urbanos ”.

A reforma agrária é um assunto sério há muito tempo no Brasil. A concentração de terras agrícolas nas mãos de uma minoria muito pequena é fonte de muitos conflitos no Brasil. Quase metade das fazendas do Brasil tem menos de hectares 10 e isso nem é suficiente para ganhar a vida com dignidade. Atualmente, esse é o cenário dominante para alguns milhões de famílias camponesas da 3. Outras estimativas mostram que existem cerca de um milhão de famílias camponesas sem terra no Brasil. Isso significa que quase um milhão de famílias camponesas não conseguem, ou mal conseguem sobreviver.

No outro extremo do espectro estão os agronegócios em larga escala que freqüentemente controlam os hectares de terras cultiváveis ​​1,000, onde quase sempre produzem culturas comerciais para exportação, como soja, frutas cítricas, café e cacau. Eles representam menos de 1 por cento do número total de agricultores, mas controlam 45 por cento do total de terras agrícolas. Essa distribuição distorcida de terras agrícolas leva a consideráveis ​​tensões sociais. Outro fator que leva ao aumento de conflitos nas áreas rurais é que a 20 por cento do Brasil carece de qualquer tipo de título oficial de terra. Isso significa que qualquer pessoa pode reivindicar essa terra, o que, na prática, geralmente significa que pessoas que não hesitam em usar a violência acabam reivindicando a terra.

Mega-Fazendas

Em grande parte do Brasil, a violência é a norma. Cada vez mais terras agrícolas estão sendo alocadas para monocultivos como a soja. As pequenas comunidades camponesas sem as ações legais para a terra geralmente precisam desocupar suas terras e abrir caminho para várias mega empresas agrícolas. As comunidades ameaçadas acabam se organizando e algumas acabam adotando medidas radicais e resistindo à apropriação corporativa de terras, que muitas vezes termina em violência. Mas, apesar de todos os seus esforços, isso geralmente significa que os agricultores ficam com a ponta curta do bastão. Miranda: “Essa luta pela terra não é nova; faz parte da história da colonização do nosso país. Se pudermos resolver a questão da propriedade da terra completamente distorcida e, assim, eliminar a fonte da violência, todo o país se beneficiaria. ”

A reforma agrária costumava ser uma alta prioridade para o Partido Trabalhista Brasileiro (PT), embora nunca tenha realmente pegado o boi pelos chifres, apesar do fato de o presidente ser membro do mesmo partido há dez anos. Miranda, ex-membro do PT, está decepcionada. “Não vou absolutamente minimizar as realizações dos últimos dez anos. Graças a, por exemplo, o bolsa familiar, subsídio para famílias que mandam seus filhos para a escola, a pobreza foi drasticamente reduzida. Os indigentes ficaram pobres, os pobres se juntaram à classe média. Mas os ricos continuam ficando mais ricos.

Miranda tem dúvidas sobre o milagre econômico do Brasil. Lamenta que a economia de mercado não tenha sido completamente reformada nos últimos anos da 10 em que o PT está no poder. E as chances de isso ocorrer permanecem mínimas. “O Brasil é eufórico. Muito mais pessoas podem consumir, o que é principalmente o resultado dos preços fantásticos do mercado mundial que nossos principais produtos de exportação - produtos de mineração e agrícola - comandam. Isto é principalmente graças à China. O presidente diz: 'Ainda existem pessoas pobres no Brasil, temos que fazer algo sobre isso, temos que crescer'. A crítica é difícil entre toda essa euforia. "Nossa vez finalmente chegou", é o sentimento predominante entre muitas pessoas, "também queremos um carro, uma casa, nossas férias. Pare de nos incomodar com suas histórias de horror ambiental '. ”Miranda está convencida de que esse aumento de riqueza encobre o fato de que a diferença entre ricos e pobres permanece profunda e basicamente inalterada. “Ainda estamos entre os países economicamente desiguais do mundo. A abordagem da desigualdade deve estar no centro de tudo o que o setor político faz. ”

Mercado De Geração De Energia

Miranda também sonha com um tipo de energia completamente diferente. “Atualmente, nossas necessidades de energia são atendidas por megaprojetos: grandes usinas hidrelétricas como Itaipú, Belo Monte e Tucuruí. O impacto negativo das barragens necessárias - com grandes parcelas de terra sendo inundadas e desapropriações afetando às vezes dezenas de milhares de pessoas - ocorre às custas dos vizinhos do Brasil, porque muitas dessas barragens são construídas ao longo das fronteiras do Brasil. A região imediata ao redor das barragens raramente recebe benefícios da energia gerada que é aplicada em grandes cidades como Rio e São Paulo e em grandes projetos de consumo de energia, como as minas. Temos que acabar com esta situação. E temos que nos livrar da energia nuclear, que está sendo discutida mais uma vez como uma opção. Devemos optar por projetos de pequena escala e a noção de geração de energia local. ”

Na Europa, questões sociais importantes, como pobreza e serviços de saúde insatisfatórios para grande parte da população, foram abordadas somente depois que começaram a afetar os segmentos mais ricos da sociedade. Foi assim que surgiram os esgotos, água potável, banheiros, salários mínimos e benefícios de desemprego. Miranda: “Não é assim que as coisas acontecem aqui. Nosso governo acredita principalmente no crescimento econômico, com base na idéia de que todos ganharão mais. Minha pergunta é quanto tempo esse modelo funcionará. Por quanto tempo a China crescerá e por quanto tempo precisará de nossos produtos agrícolas e minerais? O petróleo já foi encontrado na costa do Brasil. Quais são os riscos envolvidos se nos tornarmos um país dependente da receita do petróleo? Os partidos socialistas nunca se preocuparam demais com a natureza e o meio ambiente. Pelo contrário, eles acreditam que a exploração total da produção é uma fase necessária na transição para o socialismo. O meio ambiente e a sustentabilidade são, portanto, postos em espera. No meu sonho, a preocupação com o meio ambiente e a natureza é precisamente o caminho para superar a atual crise. Em outras palavras, não é algo que faremos apenas depois que todo o resto tiver sido consertado. ”

-

Moema de Miranda
Moema Miranda (1960) cresceu no Rio de Janeiro. “Meu pai era engenheiro e comunista, minha mãe católica.” Sua infância foi marcada pela ditadura militar no Brasil que durou até a 1985. “Você pode ser preso pelas menores coisas. Meu pai não era ativista nem militante, mas vivíamos com a preocupação constante do que poderia acontecer a seguir. ”

Em meados dos anos setenta, um forte movimento social surgiu no Brasil com representantes da igreja (teologia da libertação), sindicatos, intelectuais e organizações de base, seguidos pela abertura (abertura), época em que os refugiados políticos podiam retornar para o país e presos políticos foram libertados. “Um momento incrível e emocionante. Entrei para uma pequena organização e comecei a lecionar em uma escola de uma das favelas do Rio enquanto estava na universidade. ”

No 1992, Miranda começou a trabalhar no Ibase, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, criado por intelectuais que haviam retornado do exílio. O Ibase foi um dos iniciadores do Fórum Social Mundial (Porto Alegre 2001, 2002, 2003 e 2005). “Esses fóruns têm sido importantes no estabelecimento de contatos sul-sul. Até aquele momento, sempre tínhamos mais contatos com a Europa do que com outros países da América Latina e África. Nossa mentalidade sempre foi enquadrada pela linguagem e conceitos da Espanha e Portugal, os colonizadores do nosso continente. Os novos contatos Sul-Sul contribuíram para o que chamamos de 'descolonização da mente'. ”

Compartilhe esse conteúdo nas mídias sociais