Ligória Felipe dos Santos is a farmer in the Brazilian semiarid region. She was born and became a woman in a rural community in the municipality of Esperança, in Paraiba.
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Born in a family of seven brothers, very early she knew the weight of the sexual division of labor, having to be responsible in taking care of her home and all of her siblings; further on she learned about the unfairness of landlordism when her family was expelled from the land where she lived and had to work to gain a life in the city. In order rid herself of that suffering, she married early, at the age of 19. The very young Ligória, then also learned about domestic violence. She has since then separated and remarried, but has not yet found happiness. Her second husband is an alcoholic and also violent. And it is through her work in agriculture that she has brought up her two children and her granddaughter.
It was precisely moved by the love of her children that Ligória never gave up in the face of difficulties that life imposed on her. If it was hard, she stood up, even if silent, and resumed the predestined pace on the hard way that life was leading her through. The children were already grown when she met the Rural Workers Union in their municipality and with it the Polo Borborema, a group of trade unions and organizations of family farmers in 14 towns of Borborema, in the state of Paraiba. Contact with the social dynamics promoted by the Union and the Polo, allowed Ligória to meet and exchange experiences. She began to participate in exchange visits, and to break her isolation, enabling her to find and recognize the experiences of other women farmers, which allowed a gradual breakdown of the cultural barriers that were holding her in the kitchen of the home.
From the exchanges, Ligória started to look different at her vegetable garden. What was invisible, insignificant and worthless, for her and her entire family, as a new experience. She managed to acquire new assets – such as cisterns boards for rainwater storage to drink, wire screens for animals – via public policies or mainly by the capacity acquired by the women of the territory to self-organize through Rotary solidarity Funds – through community and solidarity economic systems.
Ligória’s garden was becoming a major subsystem into the establishment of the family because of its ability to generate wealth, food security and sovereignty and well-being for the family. Ligória went on to participate in the agroecological fair. As she reassumed the dominion over her vegetable garden, she managed to successfully take initiatives in food production and economy; she was gaining more power in the public and private spheres.
On the one hand, her participation in exchanges and agroecology were strengthening her productive capacity, on the other, her participation in the March for Women’s Life and the Agroecology helped her strengthen as a woman. Since 8 years back, the Polo Borborema, assisted by AS-PTA Family Farming and Agroecology, is conducting a march of peasant women to denounce and break with patriarchy and machismo. The Marches are reporting moments of great public visibility of gender inequalities and the different forms of violence suffered by women.
The first edition of the march took place in 2010 in the town of San Remigio (CP), with the participation of 700 women. In the following years, what we observe is the accession of a growing number of women. In 2016, the seventh edition took over 5000 rural women to the streets of Areial (PB), proving to be a positive movement of feedback between the processes of experimentation and politicization of the labor.
Each edition of the March is preceded by an intense process of awareness and training of women, but also of men in the movement. Women’s meetings are held in the 14 municipalities that are part of the Polo Borborema and, each year, it is crafted a methodology aimed to deconstruct the cultural ties that determine the social differences between the sexes. There are even incentives for new meetings and conversations to take place in their groups of rotary funds, to benefit from community association even between neighbors.
Certainly, Ligória’s track record of self-improvement is not unique within the Borborema. It is repeated in thousands of families. But, as the leaders of the Polo wisely analyze, there is no time to lower the flags, the struggle continues everyday. The dialogue created an environment in the territory that allowed the tensions – within families, but also in public spaces to be constantly faced. In this logic of overcoming conflicts, relations and culture will gradually take on more just and solidary contours. Although far from ideal, Ligória well knows it, the most important is that she and this movement of woman farmers are securing a place in the struggle for women’s lives and Agroecology.
Learn about Ligória and the VII March for Women’s Life and the Agroecology:
https://youtu.be/wD7IKMmMuHI
Mulheres e agroecologia, a luta é todo dia
Ligória Felipe dos Santos é agricultora no semiárido brasileiro. Nasceu e se fez mulher numa comunidade rural, no município de Esperança, na Paraíba. Nasceu numa família de 7 irmãos e desde muito cedo conheceu o peso da divisão sexual do trabalho, tornando-se responsável por todos os cuidados da casa e dos irmãos; muito nova aprendeu sobre a injustiça do latifúndio quando sua família foi expulsa das terras onde morava e trabalhava para tentar a vida na cidade. Para se livrar do sofrimento, casou-se cedo, aos 19 anos. Muito nova, também aprendeu sobre violência doméstica. Separou-se e casou-se novamente, mas ainda não foi dessa fez que conheceu a felicidade. Seu segundo marido é alcoólatra e igualmente violento. E é por meio de seu trabalho na agricultura, que vem criando seus dois filhos e sua neta.
Foi justamente movida pelo amor aos filhos, que Ligória nunca desistiu frente às dificuldades que a vida impôs. Se ficava difícil, se erguia, mesmo que calada, e retomava o ritmo predestinado do árduo caminho que a vida lhe conduzia. As crianças já estavam crescidas quando conheceu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de seu município, e com ele o Polo da Borborema, uma articulação de sindicatos e organizações da agricultura familiar de 14 municípios da Borborema, no estado da Paraíba. O contato com a dinâmica social promovida pelo Sindicato e pelo Polo, permitiu a Ligória conhecer e trocar experiências. Começou a participar de visitas de intercâmbios, e a quebra de seu isolamento, possibilitou com que ela se encontrasse e se reconhecesse na experiência de outras mulheres agricultoras, viabilizando uma paulatina ruptura das barreiras culturais que a prendia na cozinha de casa.
A partir dos intercâmbios, Ligória passou a olhar diferente para seu quintal. O que antes era invisível, insignificante e sem valor, para ela e para toda sua família, passou a ser reordenado, experimentado, e conseguiu adquirir novos bens – como cisternas de placas para armazenamento de água da chuva para beber, telas de arame ou animais – via políticas públicas ou, principalmente, pela capacidade adquirida pelas mulheres do território de se auto-organizar por meio de Fundos Rotativos Solidários – um sistema econômico comunitário e solidário.
O quintal de Ligória foi se tornando um subsistema importante para dentro do estabelecimento familiar por sua capacidade de gerar riquezas, segurança e soberania alimentar e bem-estar para a família. Ligória passou a participar da feira agroecológica. Na medida que reassumiu o domínio do quintal, foi conseguindo tomar iniciativas na produção de alimentos e na economia com êxito, foi conquistando mais poder nas esferas pública e privada.
Se por um lado, a participação dos intercâmbios e a agroecologia foram fortalecendo sua capacidade produtiva, por outro, sua participação na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia a fez se fortalecer como mulher. Há 8 anos, o Polo da Borborema, assessorado pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, vem realizando uma Marcha de mulheres camponesas para denunciar e romper com o patriarcalismo e o machismo. As Marchas são momentos de denúncia e de grande visibilidade pública das diversas formas de violência sofridas pelas mulheres e das desigualdades de gênero.
A primeira edição da Marcha aconteceu no ano de 2010, no município de Remígio (PB), com a participação de 700 mulheres. Nos anos seguintes, o que se observou foi a adesão de um crescente número de mulheres. Em 2016, a sétima edição levou às ruas de Areial (PB) mais de 5 mil mulheres camponesas, mostrando ser um movimento positivo de retroalimentação entre os processos de experimentação e politização do trabalho.
Cada edição da Marcha é precedida por um intenso processo de sensibilização e formação das mulheres, mas também dos homens do movimento. São realizados encontros de mulheres nos 14 municípios que fazem parte do Polo da Borborema e, a cada ano, é trabalhada uma metodologia voltada a desnaturalizar as amarras culturais que determinam as diferenças sociais entre os sexos. Há ainda o estímulo para que novos encontros e conversas aconteçam em seus grupos de fundos rotativos, de beneficiamento, na associação comunitária ou mesmo entre vizinhas.
Com certeza, a trajetória de superação de Ligória não é única no território da Borborema. Ela se repete em milhares de famílias. Mas, como sabiamente costumam analisar as lideranças do Polo, não há tempo para se baixar as bandeiras, a luta é todo dia. O ambiente de diálogo criado no território permitiu que os tensionamentos – no interior das famílias, mas também nos espaços públicos – sejam constantemente enfrentados. Nessa lógica de superação de conflitos, as relações e a cultura vão pouco a pouco assumindo contornos mais justos e solidários. Ainda longe de ser o ideal, Ligória bem sabe disso. Mas o mais importante é que ela e o movimento dessas agricultoras estão conseguindo marcar um lugar na luta pela vida das mulheres e pela Agroecologia.
Conheça aqui a Ligória e a VII Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia: https://youtu.be/wD7IKMmMuHI